ALIMEN T AN D O O B R A SILEIRO

Artigo/Lígia Dutra: não basta exportar (*)
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20 de agosto 2021
Por CNA

Um dos meus programas favoritos em viagens no Brasil e no exterior é visitar feiras, mercados e supermercados. Mesmo antes de trabalhar com comércio internacional e com o agro, achava fascinante ver produtos diferentes e conhecer os mais variados costumes alimentares. Depois que as visitas ao varejo de outros países se tornaram um hábito profissional, um fator passou a me chamar a atenção: a ausência de alimentos brasileiros nas gôndolas e prateleiras.

Certa vez, ao visitar um mercado de alto padrão na França, uma rede varejista famosa estava apresentando alimentos considerados "exóticos" aos seus consumidores locais, um projeto de promoção comercial cheio de oportunidades para empresas brasileiras. Havia produtos de vários países, mas, do Brasil, vi apenas um doce jogado (literalmente) no canto de uma prateleira.

O produto nacional apresentava diferenças com os similares ofertados, não apenas a embalagem era inferior, mas a qualidade era incompatível com o nível de exigência do consumidor daquele mercado. Perguntei aos organizadores o motivo da falta de opções de produtos brasileiros e a resposta foi surpreendente: não encontraram fornecedores interessados em participar da ação promocional. Colocaram aquele doce para dizer que tinham algo do Brasil. Não vendeu.

Lembrei-me dessa história ao analisar os dados recentes da pauta exportadora e ver o desempenho excepcional de três produtos: mel, com aumento de 124,6% nos primeiros sete meses deste ano quando comparado com o mesmo período do ano anterior; frutas (crescimento de 29,7%); e lácteos, que teve 57,2% de expansão. Em geral, são cadeias compostas por pequenos e médios produtores que, normalmente, têm dificuldades para acessar as prateleiras internacionais e, principalmente, para manter uma relação comercial dessa natureza de forma estável e perene.

Apesar de excepcional, esse desempenho não surpreende. No Agro.BR, projeto de promoção comercial que desenvolvo na CNA, é evidente o grande interesse de pequenas e médias empresas rurais pelo mercado internacional. O número de participantes cresce a cada dia e os resultados de exportação têm sido rápidos. Empresas que nunca exportaram estão conseguindo preparar o produto de forma adequada e encontrar compradores em outros lugares no mundo, inclusive algumas cooperativas de pequenos produtores - um case muito interessante de como a organização coletiva pode gerar resultados no mercado internacional.

Vivemos um momento propício para vender nossos produtos aos consumidores do mundo. Há uma forte demanda por alimentos (especialmente pelos chineses), os preços internacionais dos alimentos estão em patamares elevados e a nossa moeda está desvalorizada no mercado cambial. Os efeitos dessa conjunção de fatores nas exportações do agro brasileiro são incontestáveis - até julho foram US$ 72 bilhões, aumento de 19,9% sobre o mesmo período do ano passado. Um recorde absoluto que beneficiou todo o setor em diferentes produtos, novos e tradicionais.

Mas entre exportar e desenvolver uma estratégia exportadora existe um longo caminho, que ainda precisa ser percorrido. Essa é a moral da história do doce brasileiro que estava literalmente jogado no canto de uma prateleira no mercado francês.

Naquela época havia outra combinação de fatores. Os preços internacionais de alimentos também estavam em patamares interessantes para os vendedores, mas era a demanda interna da economia brasileira que estava aquecida e o câmbio não era tão favorável às exportações. Em geral, apenas as grandes empresas tinham as exportações na sua pauta de negócios.

Aquele era o momento de apresentar mercadorias diversificadas, com qualidade premium e apresentação impecável. Era o momento de encantar o consumidor francês, preparar seu paladar e criar uma boa imagem do produto. Não apenas para achar um nicho de consumo, mas para manter posição nesse mercado externo, compreender as preferências desse consumidor, aproveitar melhor e mais rapidamente as oportunidades de negócios e estar preparado para as mudanças da maré do comércio e da economia internacional.

No Brasil é comum que as exportações ocorram em condições favoráveis, mas são interrompidas quando há mudanças no cenário econômico. Com isso, as empresas brasileiras não fidelizam clientes e não conseguem ter perenidade para introduzir novos produtos. Para alcançar o mercado internacional é preciso profissionalizar a gestão, investir em qualidade, certificações e no desenvolvimento do produto certo para o gosto do consumidor. Isso não se faz com exportações esporádicas.

O Brasil se tornou referência em algumas cadeias de produção e exportação, como é o caso da soja e das carnes, mas para alguns setores o mercado internacional ainda é um enorme gargalo e continuará sendo se não houver um mínimo de organização coletiva e o estabelecimento de uma estratégia de médio e longo prazos.

É vital que empresas e entidades setoriais tomem decisões estratégicas agora, enquanto estamos surfando a onda dos preços e da demanda, para estruturar projetos no mercado internacional baseados nas oportunidades de longo prazo. Atingir um maior grau de profissionalização nas empresas do setor de alimentos será essencial para diversificar a pauta exportadora. A inclusão de pequenos e médios produtores rurais nas cadeias exportadoras é o caminho mais factível para consolidar a participação no mercado - e isso pode gerar oportunidades interessantes para grupos econômicos que atuam no setor.

Pode parecer complexo no campo das ideias, mas a implantação de medidas bem simples na atual realidade já poderia ter um bom efeito internacional, como a criação de websites e a comunicação em redes sociais por meio de outros idiomas; estímulo à agregação de valor nos produtos para exportação ou a criação de estratégias setoriais para marcas ou Indicações Geográficas.

Não basta colocar um produto brasileiro para vender lá fora e achar que o consumidor vai querer experimentar algo novo apenas porque está disponível. O risco de essa mercadoria ser jogada no canto de uma prateleira é enorme se não houver uma estratégia de promoção junto ao mercado consumidor.

Lígia Dutra é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

(*) Artigo originalmente publicado na Broadcast

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