Artigo: Umbu no cardápio dos europeus*
Sueme Mori e Camila Sande
Abiu, bacuri, ibaijuba, mariuri, piúna e umbu. Nomes diferentes que representam a diversidade da fruticultura brasileira. O cardápio nacional inclui tanto frutas nativas como essas, quanto exóticas - originárias de outros lugares, como a banana, que veio da Ásia. A qualidade das frutas brasileiras é reconhecida internacionalmente, apesar da ainda baixa representação do setor no mercado internacional. O País é o terceiro maior produtor de frutas do mundo, mas exporta somente 2,5% de tudo o que produz. Manga, melão, limão e uva lideram o ranking das vendas externas brasileiras do setor.
Claramente há espaço para ampliação da participação dessa lista, considerando tanto as frutas “tradicionais” quanto as pouco conhecidas. Contudo, a inserção de novos alimentos na dieta dos consumidores não é tarefa fácil, nem no Brasil e, especialmente, nem no exterior. Além desse trabalho direto com o consumidor, é preciso vencer o processo de registro desses produtos “exóticos” nos mercados de interesse. E é exatamente isso que um grupo de produtores de umbu está fazendo para ter acesso ao exigente bloco europeu.
Em janeiro de 2018, a União Europeia implementou uma nova legislação que define os chamados “alimentos tradicionais de países terceiros” (Novel Food, em inglês), nomenclatura específica para novos alimentos para os quais se busca acesso na União Europeia (UE). O Regulamento (CE) n.º 258/97 do Parlamento e do Conselho Europeu, que trata da norma, define esses produtos como “alimentos e ingredientes alimentares que não tenham sido usados para consumo humano de forma significativa na União Europeia antes de maio de 1997”.
Dentre esses produtos estão incluídas as frutas que, com frequência, não são conhecidas pelos europeus, como é o caso do umbu. A diferença entre o processo para a entrada de um alimento tradicional dos demais produtos de origem animal ou vegetal é que o registro do Novel Food pode ser pleiteado por uma empresa, por exemplo, enquanto que, para os produtos que não se enquadram na legislação, o pleito deve ser feito somente pelo país exportador. Ainda nessa linha, cabe ao solicitante do registro como Novel Food a garantia sobre a segurança do produto, enquanto que, para qualquer outro produto, os órgãos governamentais responsáveis no país de origem devem garantir o cumprimento dos requisitos demandados pela União Europeia.
O importante nesse processo é provar, por meio de um dossiê técnico elaborado pelo solicitante, que o alimento tradicional já é consumido de forma segura e costumeira no país de origem há pelo menos 25 anos. A abordagem do dossiê tem vantagens pois é possível apresentar, além de dados que comprovem a segurança do alimento, documentação de suporte para o pleito relacionada ao consumo, como livros de receita, reportagens, propagandas e outros elementos que demonstrem sua existência.
O umbuzeiro, chamado de “árvore sagrada do sertão” por Euclides da Cunha, é originário da caatinga e é conhecido por sua capacidade de produzir frutos em situações de estresse hídrico e climático. Sua exploração tem contribuído para o desenvolvimento econômico da região semiárida do Brasil, fortalecida principalmente pela formação de cooperativas que beneficiam o umbu em pequenas e médias agroindústrias familiares e o utilizam como matéria-prima para a produção de compotas, geleias e doces de maior valor agregado. O Estado da Bahia é o principal produtor de umbu, sendo responsável por aproximadamente 88% do total do País, com porcentuais de produção registrados em 195 municípios, seguido dos estados de Pernambuco (5%), Rio Grande do Norte (3%), Minas Gerais (2%), Paraíba e Piauí com 1% cada.
A Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc) é um case de sucesso na produção do umbu e seus derivados. Ela surgiu de uma iniciativa de mulheres produtoras na região em 1986 e, desde então, com apoio de diversas instituições estaduais e nacionais tem colocado os seus produtos nas prateleiras do Brasil e do mundo. Contudo, para a União Europeia ainda não é possível exportar os derivados de umbu e hoje a Coopercuc apenas exporta doces e compotas com frutas já consumidas no bloco, como banana e maracujá.
A cooperativa é apoiada pelo Projeto Agro.BR , liderado pela CNA, que promove a internacionalização de pequenos e médios negócios rurais e conta com a parceria da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Por meio de uma parceria entre a Coopercuc, a CNA e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas na Bahia (Sebrae-BA) está sendo realizado o pleito para registro do umbu como alimento tradicional na União Europeia.
A possibilidade do registro do umbu como Novel Food, atualmente em curso, trará novas oportunidades para produtores e produtoras do semiárido nordestino, além de abrir portas para outros produtos da biodiversidade brasileira na União Europeia e em outros mercados Internacionais.
*Artigo publicado originalmente na Broadcast
Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
Camila Sande é assessora de Relações Internacionais da CNA