Paraná
Pane no CAF pode deixar agricultores sem acesso a crédito
Falhas no sistema impedem produtores de se inscreverem no cadastro digital. Faep tem pressionado ministérios a solucionar problemas
Uma série de problemas operacionais no sistema digital têm impedido que pequenos produtores se inscrevam no Cadastro da Agricultura Familiar (CAF). Com isso, eles podem ficar sem acesso a programas do governo federal, inclusive a linhas de financiamento. No interior do Paraná, proliferam casos de produtores que não conseguiram efetivar a inscrição no CAF. Diante deste cenário, a FAEP tem atuado junto aos órgãos responsáveis para tentar resolver e/ou minimizar esses problemas.
O CAF foi criado no ano passado para substituir a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP). Ou seja, quando a DAP de um pequeno produtor vencer, ele não pode renová-la: deve se cadastrar no CAF. A inscrição no cadastro é imprescindível para que os produtores de pequeno porte sejam enquadrados como agricultores familiares.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA) reconhece as dificuldades operacionais no sistema do CAF e ampliou por um ano a validade das DAPs que venceriam entre 8 de fevereiro de 2023 e 31 de janeiro de 2024. O problema é que a prorrogação não vale para as declarações que venceram antes de 8 de fevereiro deste ano. A determinação do MDA é para que esses produtores se inscrevam no CAF. No entanto, como os problemas de funcionamento têm impedido a inscrição no cadastro, esses agricultores permanecem numa espécie de limbo.
“O pequeno produtor, que tem até quatro módulos fiscais, está desamparado. Sem conseguir se cadastrar no CAF, ele não vai ter acesso a crédito do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar]. Ao mesmo tempo, ele não consegue ir para o Pronamp [Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural], porque os juros são maiores, o que dificulta o pagamento”, explica Bruno Vizioli, técnico do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR. “Não foi criado um programa complementar. É um problema grave. Vai começar o plantio da safra de inverno e os produtores estão com risco de ficar sem acesso ao crédito”, aponta.
Dificuldades
Para se inscrever no cadastro, o produtor precisa procurar o sindicato rural de seu município ou uma entidade integrante da Rede CAF, como o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR). Além de fornecer dados pessoais de todos os dependentes e da propriedade, o agricultor familiar precisa anexar documentos que comprovam as informações prestadas, como notas fiscais de compra e venda e comprovante de endereço. Os dados são cruzados com mais de 30 bancos de dados, incluindo o da Receita Federal e do Cadastro Único (CadÚnico).
Em Cianorte, no Noroeste do Estado, há três processos parados, porque o sistema não consegue carregar os documentos a serem anexados. O técnico do sindicato rural do município, Henrique Carlos Fazio Conrado Lima, perdeu as contas de quantas horas já gastou diante do computador, esperando, sem sucesso, o cadastro ser finalizado.
“Eu comecei a preencher o cadastro de manhã e fiquei até às 18h30... e nada! O sistema fica carregando, dá erro e cai. Fico tentando todo dia, mas sem êxito”, relatou Lima. “O produtor está com os documentos, mas o sistema não deixa anexar. O produtor está sendo prejudicado, porque o sistema está inoperante”, afirma.
Em Três Barras do Paraná, na região Oeste do Estado, já são nove cadastros estagnados, em razão da inoperância do sistema. A secretária do sindicato rural Sandra Bibiano da Silva acumula prints das telas travadas, por motivos diversos – de falha no carregamento a problemas na autenticação. Ela conta que tem conversado com sindicatos de outros municípios, que também não têm conseguido efetivar os cadastros.
“O sistema está judiando da gente e dos produtores. Nós precisamos que o Ministério [o MDA] nos dê uma solução. Aparecem tantos tipos de erros no sistema que a gente nem acredita”, relata Sandra. “Os problemas estão generalizados. O ruim é que cada processo parado é um produtor que vai ter dificuldade lá na frente”, observa.
Em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), o diretor do sindicato rural local, Hugo Ruthes, até conseguiu concluir dois cadastros, mas a duras penas. Em ambos os casos, ele começou o processo antes das 8h30 e só conseguiu finalizar perto das 19 horas. Ele diz que tem demorado uma hora apenas para se conectar ao sistema, cuja conexão cai constantemente – principalmente quando chega à fase de anexar os documentos.
“Fica girando, girando e a gente ali, esperando”, relata. “Nós, que trabalhamos na linha de frente, passamos vergonha. O produtor pensa que a gente está fazendo corpo mole ou que está de má vontade. Eu estou quase colocando um projetor, para que o produtor acompanhe que o sistema simplesmente não funciona. Somos vítimas de um sistema inoperante. E essa prorrogação é só um calmantezinho. Não vai adiantar nada se esses problemas não forem consertados definitivamente”, define.
FAEP pressiona ministérios
Ao longo de fevereiro, a FAEP recebeu reclamações diárias de sindicatos de todas as regiões do Estado, relatando falhas operacionais que impedem a inscrição de agricultores familiares no CAF. A Federação enviou ofícios ao MDA, ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e ao Banco Central, alertando sobre os problemas no sistema e a provável dificuldade de acesso a crédito de produtores em razão das panes no CAF.
“Os nossos produtores não podem ser penalizados por dificuldades técnicas de responsabilidade dos ministérios. É um problema que deve ser solucionado com bom senso e agilidade. Juntamente com outras federações, estamos cumprindo nosso papel institucional de cobrar respostas”, destaca o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
O Paraná não é o único Estado em que os produtores não conseguem se inscrever no CAF. Em uma reunião realizada em 23 de fevereiro pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), representantes das 27 Estados relataram os mesmos problemas operacionais. Apesar disso, não há previsão para que o sistema seja normalizado e nem que as DAPs voltem a valer.
Entenda as diferenças entre DAP e CAF
A DAP é uma declaração simples, em que o produtor presta informações que o enquadram na Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais – conforme estabelecido na Lei 11.326 de 2006. O CAF dá um passo além: o produtor rural precisa preencher as informações do cadastro e já anexar os documentos que a comprovem.
“O DAP era declaratório. O agricultor familiar fazia sua declaração em papel. Se tivesse alguma inconformidade, ele era pego lá na frente. Agora, as informações do CAF são cruzadas com outros bancos de dados. Se tiver inconsistências, o cadastro não é concluído”, explica Bruno Vizioli, do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Na avaliação do técnico da entidade, o conceito que embasa a criação do CAF é positivo, já que impede fraudes ou enquadramentos imprecisos de produtores como agricultores familiares. Entretanto, ele questiona o fato de a iniciativa ter sido tirada do papel sem que o sistema estivesse em plenas condições de funcionamento, com o agravante da demora na definição de soluções efetivas.
“A ideia é boa. O problema é que o sistema foi mal desenhado e, agora, as falhas operacionais têm impedido que as inscrições sejam feitas”, resume. “Precisamos de soluções rápidas, até porque o plantio da safra já está aí e o produtor não pode ser mais penalizado”, conclui.