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Contêineres, o presente de Natal*
Lígia Dutra e Elisângela Pereira Lopes
Muitas pessoas podem nem conhecer o termo, mas já viram ou estiveram em um “engarrafamento fantasma”. Sabe aquela lentidão em uma estrada sem causa aparente, quando não há qualquer indício de obstáculo à frente, de colisão de veículos ou de obra na pista? Às vezes, o simples movimento impreciso de um condutor desatento ou inexperiente causa uma onda de impacto que pode resultar em severos níveis de congestionamento. Foi exatamente isso que o mundo observou, em março, com a interrupção do Canal de Suez, no Egito, após o encalhe do navio Ever Given, um dos maiores porta-contêineres do mundo.
Longe de uma “marolinha”, o bloqueio resultou em fila de espera de 422 navios, carregados com 26 milhões de toneladas de produtos. O prejuízo estimado ao comércio global, pelos cinco dias de paralisação, foi de cerca de US$ 9,6 bilhões/dia. As consequências do engarrafamento causado pelo Ever Given impactaram todo o mundo. Até as compras de Natal!
Embarcações tiveram de contornar o continente africano, adicionando 26 dias ao tempo normal de viagem. Aqueles que optaram em continuar esperando a liberação do canal pagaram taxas de atraso (U$S 15 mil/dia). Tais custos, evidentemente, foram repassados aos consumidores finais, uma verdadeira inflação dos preços de combustíveis, vestuários, alimentos e eletrodomésticos. E em um período em que o comércio já estava sofrendo com as desarticulações causadas pela pandemia do novo coronavírus.
A adesão a medidas sanitárias restritivas para conter o avanço do vírus, especialmente pela China, afetou o comércio internacional. Atividades nos portos foram suspensas, navios ficaram retidos por tempo indeterminado e o lockdown, adotado em grandes cidades, resultou em falta de mão de obra para carga e descarga de mercadorias. Fluxos de entradas e saídas de contêineres foram modificados e, como desfecho, o tempo de trânsito de mercadorias em navios aumentou.
O ciclo completo de um contêiner era de quatro viagens por ano, entre a rota da Ásia e da Costa Leste dos Estados Unidos. Com a retenção desses equipamentos, ao longo da cadeia, o ciclo reduziu para 2,5 viagens por ano. As consequências foram sentidas em curtíssimo prazo. Até setembro de 2020, o custo médio para o transporte de contêineres de 40 pés oscilava em U$S 2,3 mil. Em um ano, o valor atingiu o patamar de U$S 15,8 mil, isto é, o custo quintuplicou. Se convertido em reais, para ter acesso a um contêiner o saque seria cerca de R$ 85 mil.
As tradicionais compras de fim de ano enfrentam problemas de abastecimento no mundo inteiro, decorrentes do caos na logística internacional. Nos Estados Unidos, segundo a Associação Nacional dos Varejistas, 97% dos comerciantes do país foram afetados com atrasos decorrentes de contratempos nos portos ou por falta de espaços em navios mercantes. Mais de 70% dos varejistas indicaram que o tempo médio de espera para receber mercadorias aumentou de 2 a 3 semanas. E, como era previsível, 75% dos entrevistados afirmaram terem repassado os aumentos dos custos aos consumidores.
Ainda que o problema logístico seja global, para o Brasil a situação é gravíssima. Em termos de comércio internacional, as transações brasileiras respondem por apenas 1,4% do todo. Portanto, os operadores de comércio exterior nacional têm menor capacidade de atrair navios para fora do eixo Estados Unidos-China-União Europeia, onde se concentra a maior parte do comércio.
Para o agro brasileiro o momento exige atenção. Isso porque o setor está duplamente exposto ao aumento dos preços do transporte marítimo, pela diminuição da oferta dos serviços e pela desvalorização cambial, já que os fretes são calculados em moeda americana. A situação fica ainda mais complexa quando consideramos que o Brasil é o terceiro maior exportador de produtos agropecuários do mundo (ante Estados Unidos e União Europeia), mas com pouca participação como importador.
Até outubro de 2021, exportamos US$ 102,4 bilhões e importamos US$ 12,3 bilhões. Esse desequilíbrio entre as movimentações de exportação e importação faz com que navios atraquem vazios em nossos portos, para que possam retornar ao comércio internacional com a carga brasileira. O resultado é uma dobradinha indesejada: custos elevados de exportação e escassez de navios/contêineres. Para empresas de pequeno e médio porte, que não conseguem fechar grandes contratos de transportes, o desafio é maior. A espera por uma janela de oportunidade é longa, em média, são aguardados meses para o embarque de mercadorias.
Para 2022 os desafios do comércio internacional do agro parecem gigantes e, o futuro, incerto. Novas variantes surgem e em alguns países o índice de vacinação é considerado abaixo do desejável e seguro. Em um cenário otimista, aguarda-se a recuperação ou normalização dos custos de contêineres - a níveis próximos aos pré-pandêmicos - para meados de 2022 ou início de 2023.
É importante que esses momentos desafiadores não se reflitam apenas em prejuízos e preços altos. Devem, acima de tudo, ser um estímulo para mudanças que permitam ao Brasil maior competitividade no comércio internacional. Por isso, a relevância de acelerar projetos, como: aprovação no marco regulatório da cabotagem (BR do Mar), investimentos em infraestrutura de acesso aos portos (aumento de profundidade e condições para atracar navios maiores), aumento da oferta de terminais ao longo da costa, e, desenvolvimento da indústria portuária brasileira, de maneira a reduzir a dependência majoritária da logística internacional. Há de se mencionar, também, a necessidade de maior inserção comercial do Brasil, mediante a formalização de acordos de comércio que favoreçam a abertura de mercados para produtos brasileiros, aumentando a participação do País no comércio global.
A lição a ser assimilada pelo consumidor é que o encalhe de um navio em outro continente ou a simples escassez de caixinhas (contêineres) impactam a vida cotidiana de cada um. Essas “ondas de choques” (invisíveis) e suas implicações sentidas no bolso de cada um demonstram como o comércio internacional está presente em nossas vidas, mesmo sem sabermos. E se as compras de Natal em todo mundo já sofrem os efeitos do caos logístico, no Brasil devemos aproveitar o momento para correr atrás do prejuízo. Experiências negativas podem se tornar a melhor oportunidade para mudanças positivas!
Lígia Dutra é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
Elisangela Pereira Lopes é assessora Técnica da Comissão de Logística e Infraestrutura da CNA
*Artigo publicado originalmente pela Broadcast