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Artigo/Sueme Mori: A nova geopolítica do comércio internacional agrícola*
O que os Emirados Árabes, as Filipinas, a Indonésia, Cingapura e Malásia têm em comum? Com toda a certeza, a preocupação com a garantia da segurança alimentar. Essa foi uma das constatações de uma missão realizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) a esses países. Durante três semanas, foi possível conhecer um pouco o ambiente de negócios e a realidade desses lugares, que possuem níveis de renda, densidade populacional e composição geográficas bem distintas.
Para quem mora no Brasil, é difícil imaginar o que significa viver em um país formado por 17.500 ilhas. A Indonésia é o maior arquipélago do mundo e o quarto país mais populoso, com 278 milhões de habitantes. Com uma economia fortemente baseada nos setores industrial e de mineração, a Indonésia está implantando uma série de medidas para atrair investimentos e desenvolver setores estratégicos como o de baterias automotivas.
Dos cinco países visitados, quatro fazem parte da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean): Indonésia, Filipinas, Cingapura e Malásia. Esse bloco formado por 10 países ocupa a 5ª posição no ranking das maiores economias do mundo. Todos os quatro países possuem metas de aumentar a produção agropecuária local para reduzir, pelo menos parcialmente, a dependência da importação de alimentos. A Malásia, por exemplo, produz somente 27% da carne bovina consumida internamente. A meta é alcançar 50% até 2030. Já as Filipinas importam 93% de todo o alho que consomem.
O interesse desses países vai além da ampliação do comércio com o Brasil. Atrair empresas brasileiras do setor agropecuário para se instalarem localmente e aumentar a cooperação técnica para transferência de tecnologia de produção são prioridades na agenda bilateral. Em termos de segurança alimentar e também de crescimento econômico, esses países entendem ser mais vantajoso que a produção seja local e não importada, especialmente neste cenário pós-pandemia e de instabilidade geopolítica.
Para alcançar esse objetivo, os governos oferecem diversos benefícios e até competem entre si, apresentando indicadores que demonstrem a vantagem comparativa dos seus países. Um exemplo contundente da presença brasileira no exterior é a operação da BRF nos Emirados Árabes Unidos. Inaugurada em 2014, a unidade é a maior fábrica de carnes de aves do Oriente Médio.
A ampliação da presença do agro brasileiro em mercados tão distantes e distintos acompanha o movimento do comércio agrícola global, que vem crescendo ao longo dos anos, mas de forma heterogênea, dependendo da região do mundo, com destaque para o aumento expressivo das importações agrícolas dos países da Ásia e Oriente Médio. Entre 2002 e 2021, as importações agrícolas mundiais cresceram quase 300%, sendo que as aquisições europeias aumentaram 178% e dos países da Asean 496%.
Essa reconfiguração da geopolítica do comércio e da produção agrícola mundial é um movimento recente e, não raro, pouco considerada em discussões internacionais sobre regulações e políticas públicas pertinentes ao setor. É imprescindível que o debate internacional acerca dos sistemas alimentares contemple essa mudança no cenário global e as diferenças entre os países, seja em termos de desenvolvimento econômico, social e até de composição geográfica.
Essa foi a mensagem que o Brasil e a CNA levaram para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em um evento realizado no começo de outubro, na sede da organização. A discussão centrada na necessidade de ampliar a resiliência, produtividade e sustentabilidade ambiental dos sistemas alimentares globais teve a participação de representantes de diversos países, na sua maioria membros da OCDE.
Atualmente, dos 38 países-membros, 26 estão na Europa e da Ásia participam somente Japão e Coreia do Sul. Para que a organização cumpra a sua missão de "estabelecer práticas e políticas que promovam prosperidade, igualdade, oportunidade e bem-estar para todos" é preciso que a realidade dos países que não são membros também seja considerada no debate. Nenhum país da Asean, por exemplo, é membro da OCDE.
A tarefa de definir políticas públicas e recomendações que sirvam para todos os países não é simples. O processo deve ser inclusivo, transparente e multistakeholder. Além disso, deve ser perseguido ao máximo o equilíbrio entre os benefícios/impactos nas esferas social, econômica e ambiental dos países.
No caso do setor agropecuário, também é preciso considerar o potencial impacto negativo que algumas políticas, desenhadas com propósitos justos, podem ter no produtor rural. Porque no final é ele quem vai colocar em prática uma agricultura mais sustentável, eficiente e resiliente. Deve-se evitar que políticas bem-intencionadas, ao invés de serem inclusivas, empurrem o produtor para fora do campo e até mesmo para a ilegalidade.
Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
*Artigo publicado originalmente na Broadcast