ALIMEN T AN D O O B R A SILEIRO

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16 de fevereiro de 2024
*Artigo Sueme Mori/Camila Sande: A revolta do campo
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POR CNA

Imagens com tratores bloqueando rodovias e ruas das principais capitais da Europa tomam conta do noticiário desde o final do ano passado. Produtores rurais de diversos países protestam contra as políticas e regulamentos do bloco que, de acordo com eles, inviabilizam a produção de alimentos pelo excesso de restrições e sem compensação financeira adequada.

O descontentamento dos produtores é generalizado. O estopim ocorreu após o anúncio feito pelo governo alemão sobre o fim do subsídio de diesel para as máquinas agrícolas e corte na isenção de impostos para veículos utilizados na produção. Ainda que essas questões tenham sido usadas inicialmente para ocupar as ruas, a origem da insatisfação dos produtores é bem mais profunda e está atrelada, em muito, à política ambiental da União Europeia (UE) que tem nome e sobrenome: Green Deal, ou Pacto Verde.

O Green Deal foi apresentado ao mundo no final de 2019 como a principal política de descarbonização da UE. Um de seus muitos objetivos é trazer a agricultura para o centro da pauta ambiental no bloco europeu e nas suas cadeias de fornecedores internacionais.

Internamente, o Pacto Verde atinge em cheio os produtores da Europa porque restringe o uso de defensivos e pesticidas, determina uma meta de que um mínimo de 25% da produção seja orgânica, limita o uso de antimicrobianos na agricultura e na aquicultura em 50%, entre outras restrições. Tudo isso até o ano de 2030.

Externamente, o Pacto Verde impacta os principais países produtores de alimentos, como o Brasil, com a chamada Lei Antidesmatamento, que abrange 356 produtos de 7 cadeias - borracha, cacau, café, carne bovina e couro, madeira e papel, óleo de palma e soja -, e exige, por exemplo, que a área de produção seja livre de desmatamento e degradação florestal após 31 de dezembro de 2020.

A lei afeta também os produtores europeus porque vale para importação e circulação de produtos no território da União Europeia. Isso quer dizer que países da UE que exportam para dentro do bloco também estão sujeitos. O impacto para eles, porém, é mínimo, pelo fato de os europeus não possuírem produção na maioria das cadeias atingidas. As culturas são essencialmente produzidas em países tropicais. Aliás, uma das demandas dos agricultores europeus é a redução das importações de alimentos, uma prática puramente protecionista diante da baixa competitividade da produção doméstica.

Essa tentativa de prejudicar a produção agropecuária de países em desenvolvimento, em favor dos países ricos, utilizando argumentos ambientais não é nova. Há 14 anos, com o título de "Farms Here, Forests There" ("Fazendas Aqui, Florestas Lá"), foi publicado um estudo, patrocinado pela Associação Nacional de Produtores dos Estados Unidos, que defendia o fim do desmatamento global até 2030 como forma de conter a perda de competitividade da agroindústria norte-americana diante dos países tropicais produtores, como o Brasil.

A tese principal do estudo era de que a promoção de políticas ambientais internacionais mais duras restringiria a expansão da área agrícola nos países tropicais, reduzindo o aumento da oferta mundial de produtos agropecuários, o que beneficiaria a economia americana. O documento trazia citações como: "acabar com o desmatamento por meio de incentivos nos Estados Unidos e da ação internacional sobre o clima pode aumentar a renda agrícola americana de US$ 190 bilhões para US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030".

A ideia de "Fazendas Aqui, Florestas lá" é extrema, mas pode ser vista em várias iniciativas. A própria legislação antidesmatamento da União Europeia é um exemplo menos radical dessa proposta.

As intenções do Green Deal são boas, mas ele é desequilibrado em seu pilar estrutural. Ao definir uma política que envolve produção, desenvolvimento socioeconômico e segurança alimentar é preciso que ela seja balanceada em todas as suas dimensões e não somente na ambiental, caso contrário será fadada ao insucesso.

O Pacto Verde parece ter sido aprovado sem uma devida avaliação dos impactos para os seus próprios cidadãos, dentre eles os produtores rurais. A insatisfação dos agricultores europeus virou uma volumosa bola de neve que determinará o futuro do bloco nas próximas eleições do Parlamento, em junho próximo. Os agricultores europeus reclamam que, com as políticas ambientais, ficaram com o rótulo de "inimigos do meio ambiente". Essa visão de que produção e respeito ao meio ambiente são conceitos antagônicos é equivocada e o Brasil é prova disso.

Os produtores brasileiros convivem com uma legislação ambiental restritiva há mais de duas décadas, e a produção no país tem obtido recorde após recorde. Por ora, o fazem sem protestos, mas cientes de que os serviços ambientais que prestam ao Brasil e ao mundo devem ser recompensados com mais e melhores políticas de apoio. Perto das reclamações dos europeus, o que o produtor brasileiro passa é heroico.

Mas é preciso tirar lições com os dissabores dos europeus no que diz respeito à balança que pesa viabilidade produtiva e conservação do meio ambiente. É preciso que se equilibre a geração de renda no campo, a produtividade e o desenvolvimento com menos impactos ao clima. E isso se faz com estratégia e pensamento a longo prazo, para garantir a segurança alimentar e a sustentabilidade no país e no mundo.

Para isso, a resposta não é determinar onde ficam fazendas e onde ficam florestas. Elas devem, sim, coexistir e desempenhar o seu papel para a humanidade, que é alimentar o mundo com responsabilidade ambiental. Esse sim é o desafio que todos devem enfrentar com a devida seriedade.

Sueme Mori é diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Com a colaboração de Camila Sande, assessora de Relações Internacionais da CNA

*Artigo publicado originalmente na Broadcast

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